Carta Tremembé de Queimadas

Foi intensa a luta do povo Tremembé em Queimadas (Acaraú-CE) para permanecerem em seus territórios. Ainda hoje estamos em luta para o prosseguimento de desintrusão e homologação de nossa terra, embora ela esteja reconhecida, delimitada e demarcada[i], junto com o apoio dos nossos parentes de Almofala e Córrego João Pereira. Participamos, coletivamente para que o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS), por meio do Perímetro Irrigado Baixo Acaraú, não nos invadissem e nos dominassem por inteiro.

Os Tremembé de Queimadas já estavam nessas terras, desde seus antepassados, muito antes da entrada do perímetro. Somos provas vivas disto, quando abrimos nossos travessões impedindo o DNOCS de entrar na nossa terra. Participamos de audiências, denunciamos nos meios de comunicação, além das cartas que foram encaminhadas à Fundação Nacional do Índio (FUNAI), à Associação Missão Tremembé (AMIT), Ministério Público Federal (MPF), Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (APOINME), dentre outros órgãos, instituições e parceiros, resultando nos relatórios antropológicos realizados[ii].

Nossos antepassados viviam da caça, pesca, mel e da agricultura familiar (beiju, milho, feijão, batata, mandioca, farinha etc). Com a entrada do Perímetro Irrigado Baixo Acaraú muitos são os problemas que evidenciamos, tais como: desmatamento ambiental, uso intensivo de agrotóxicos, cerca nos caminhos tradicionais e sagrados, despejo irregular de lixo, inclusive de embalagens de agrotóxicos, entrada de pessoas de fora interessadas na irrigação, influenciando no uso de drogas, trânsito de caminhões e carros pesados pondo em perigo os integrantes da comunidade, especialmente as crianças e os mais velhos, bem como a presença de alguns Tremembé trabalhando nos lotes agrícolas, como diaristas, muitos de forma irregular.

Atualmente, apesar do processo de regularização jurídica[iii] de nossas terras, sabemos que continuamos submetidos a esses problemas, em razão da proximidade com os lotes do Perímetro Irrigado Baixo Acaraú. Assim, perguntamos: e após nossa demarcação vamos continuar imprensados pelos lotes agrícolas? Continuarão despejando veneno e os problemas elencados na nossa terra?

Nós acreditamos que SIM, mas também que é possível viver sem o agronegócio, conforme viviam nossos antepassados. Apesar de todos esses problemas, continuamos no nosso território produzindo mel, gergelim, batata doce, milho, feijão, macaxeira e mandioca; plantando e colhendo goiaba, ata, caju, limão, dentre outras frutas, sem o uso de veneno, vivendo, dessa forma, em comunidade.

Nossa luta continua pela desintrusão, homologação e demarcação física de nossas terras, saúde com direito para todos e todas e respeito à nossa cultura. Exigimos do Estado Brasileiro ações de fiscalização e cumprimento dos direitos constitucionais.

Assina o Povo Tremembé de Queimadas e concordam com sua publicação, em presença do Cacique João Venâncio e liderança indígena José Maria Secundes, na Escola Indígena Tremembé de Queimadas.

 

[i] Para efetivar, de fato, a demarcação de Terra Indígena (TI) é necessária a conclusão de algumas fases. Inicialmente é congregado um Grupo de Trabalhado (GT) designado pelo órgão federal de assistência ao índio. Coordenado por antropólogo e acompanhado, em todas as fases, pelo grupo indígena envolvido, o GT realizará estudos de identificação de natureza etno-histórica, sociológica, jurídica, cartográfica, ambiental e o levantamento fundiário necessário à delimitação. Os trabalhos de identificação e delimitação serão apresentados em relatório circunstanciado. Ao ser aprovado pelo titular do órgão federal de assistência ao índio, este fará publicar, no prazo de quinze dias (contados da data que o receber) em Diário Oficial da União e Diário Oficial da Federação. Os Estados, municípios e demais interessados (as) possuem até noventa dias, após a publicação do relatório circunstanciado, para apresentarem o contraditório, ou seja, o contestarem. Caso não haja contestação, em até trinta dias, após o recebimento do procedimento, o Ministro de Estado da Justiça decidirá por: a) declarar, mediante portaria, delimitação da TI, determinando sua demarcação; b) prescrever as diligências que julgue necessárias; c) desaprovar a identificação. Estando aprovada e sendo verificada presença de ocupantes não indígenas na área sob demarcação, o órgão fundiário federal responsabilizar-se-á pelo reassentamento destes, processo que se denomina por desintrusão. Finalizada a etapa anterior, a demarcação será homologada mediante Decreto. Por fim, em até trinta dias, após a publicação do Decreto de Homologação, o órgão federal de assistência ao índio promoverá o respectivo registro em cartório imobiliário da comarca correspondente e na Secretaria do Patrimônio da União do Ministério da Fazenda (BRASIL. Decreto nº 1.775 de 8 de janeiro de 1996. Dispõe sobre o procedimento administrativo de demarcação das terras indígenas e dá outras providências. Presidência da República: Distrito Federal, 1996. Disponível: <<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D1775.htm&gt; Acesso: 13 de março de 2014).

[ii] Referências:

a) PATRICIO, Marlinda Melo. Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação da TI Tremembé de Queimadas, Acaraú/ CE. Brasília: FUNAI, 2010;

b) BRISSAC, Sérgio Góes Telles; NASCIMENTO, Marcélia Marques do. Parecer Técnico nº 01/05. Estudo antropológico dos Tremembé da Terra Indígena de Queimadas, município de Acaraú, Ceará. Ceará: Ministério Público Federal; Procuradoria da República do Ceará, abril de 2005.

[iii] O processo demarcatório é exigência jurídica que “comprova” a Terra como propriedade da União, por ser de uso indígena. No entanto, vale destacar que tais medidas, apesar de corresponderem proteção desses territórios, não significam unilateralmente marcos rígidos de onde se iniciam e terminam as relações de apropriação e territorialização indígena, estas fundamentadas em leis de convivência, construídas, a partir das relações entre integrantes de cada Povo Indígena e a Natureza. A Terra Indígena de Queimadas está identificada, delimitada e reconhecida, como posse permanente indígena, conforme Portaria nº 1.702 de 19 de abril de 2013. No presente momento, necessita-se da desintrusão para posteriormente findar o processo demarcatório com homologação em Diário Oficial. Ver: BRASIL, Diário Oficial da União. Seção 1, Edição nº 76 de 22.04.2013. p. 34. Distrito Federal: 2013. Disponível: <http://www.jusbrasil.com.br/diarios/53391239/dou-secao-1-22-04-2013-pg-34/pdf&gt; Acesso: 10 de julho de 2013

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