Carta da Chapada do Apodi/RN

VOZES DOS (AS) AGRICULTORES (AS) DO TERRITÓRIO

CHAPADA DO APODI – RIO GRANDE DO NORTE

Antigamente nós não tinha organização e fomos vendo a necessidade de se organizar para poder lutar por um pedaço de TERRA.

Nós cassemos de trabalhar para os grandes fazendeiros, eles não tinham pena de nós trabalhadores.

Muitas vezes nossos patrão ficava com todo lucro da safra, e ainda nós ficava devendo na bodega do patrão.

Eu estou há doze anos na minha terra. Antes eu trabalhava para o patrão, como escravo. Hoje estou na área de Assentamento, no que é meu.

As terras que é de nós hoje, antes pertencia a uma só pessoa, era terra de gente poderosa.

A gente que é mulher não podia sair da cozinha por que diziam que o canto de mulher era na cozinha mesmo.

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 Foto: STTR de Apodi/RN (Ato das Trabalhadoras Rurais de Apodi pelas ruas da cidade no dia da Trabalhadora Rural – 25 de Julho de 2012).

Os fazendeiros desmatavam suas terras, pagavam muito pouco pelo dia de trabalho a nós, eles usavam venenos nas plantações e destruíam o solo.

Fomos ficando revoltados com o sistema dos patrões e fomos vendo que era preciso se organizar pra resolver esse problema.

Procuremos se organizar para lutar pelo pedaço de terra, fomos procurar o Sindicato dos Trabalhadores e das Trabalhadoras Rurais de Apodi pra ver como é que se fazia isso, o Sindicato e a CPT se prontificaram de nos ajudar com informações e também na questão de organização nossa.

Nós vimos a importância de se organizar em grupos para lutar pela terra foi assim que nós ocupamos as grandes propriedades.

Sempre foi o nosso sonho possuir uma terrinha para plantar e criar tudo que agente quiser.

Eu trabalhei de meeiro de 1984 a 1993 em uma propriedade, e lembro como se fosse hoje quando escutamos no programa a Voz do Brasil pela rádia a noticia que a terra que nós estávamos ocupando tinha sido desapropriada para a reforma agrária, foi muita alegria e emoção no nosso acampamento.

A conquista da terra trouxe para nós uma nova perspectiva de vida familiar, é a oportunidade de vivermos trabalhando no que é nosso.

Nós sendo dono de nossa terra nem tem a pressão dos patrões, nós vamos e voltamos do roçado na hora que queremos, é diferente a pessoa sendo dono da terra agente tem o controle do que é nosso.

Quando ganhamos o acesso a terra, vimos outro desafio que era organizar o pessoal do assentamento em Associações, foi muito difícil mais hoje agente é organizado e somos defensor dos nossos direitos e deveres.

Graças a Deus a gente conta hoje com a colaboração de varias entidades e ONGs parceiras que nos ajuda na organização dos grupos de Mulheres, Idosos, Homens e Jovens.

Tem o Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Apodi, a CPT, o CF 8, a COOPERVIDA, a Terra Viva e outras organizações que estimulam a participação de nós trabalhadores (as) rurais nos espaços de representação.

Nos anos 70, 80… o STR era um grupo de gente descomprometido. Hoje percebemos a diferença. Temos que refletir o que éramos antes e o que somos hoje, temos problemas, mas avançamos muito.

As entidades e ONGs realizam vários eventos para nos informar e capacitar sobre várias temáticas importantes, como seminários, encontros, intercâmbios, isso ajuda na nossa organização e qualidade de vida.

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 Foto: STTR de Apodi/RN (Auditório do STTR de Apodi lotado no Seminário sobre os males causados pelos agrotóxicos no meio ambiente, na saúde do trabalhador – Palestrante Drª. Raquel Rigotto).

Atualmente a gente que é mulher somos reconhecidas como lideranças nas comunidades, compomos as direções das Associações comunitárias e somos sujeitas de nossas próprias histórias.

Nossos grupos estão fortalecidos com a conquista da terra, principalmente os grupos de mulheres, pois nós temos autonomia e mostramos a nossa capacidade na questão da produção, pois criamos animais e produzimos de forma agroecológica.

Através de nossa organização conseguimos bastantes melhorias para as nossas vidas, tanto que foi possível receber o presidente da república no dia 08 de março de 2005 no nosso assentamento para assinar o Pronaf-Mulher.

A nossa organização faz com que se tenha a oportunidade de acessar várias política como também participar de reuniões importantes.

Ninguém nunca pensou em poder se alimentar quatro vezes ao dia, agora com o nosso pedaço de terra nós produzimos a nossa própria alimentação, criamos galinha, cabras, vaca, porco, hortaliças e plantamos os nossos legumes, hoje sim a gente pode tomar o café da manhã, almoçar, jantar, e se quisermos lanchar à tarde.

Hoje a Chapada do Apodi no Rio Grande do Norte está entregue a várias famílias, o que é uma realidade toda diferente daquela de antigamente, onde essas terras estavam em mãos de poucos.

No nosso roçado pode se encontrar hoje uma variedade de produtos, como hortaliças, melancia, jerimum, gergelim, manga, acerola, mamão, milho, feijão, algodão agroecológico, o que é totalmente diferente da produção de antigamente que se baseava em cultivos de monoculturas.

O que a gente produz é totalmente orgânico, respeitamos o meio ambiente assim a gente garante uma qualidade a nossa saúde.

Nosso município é o segundo maior produtor de mel do Brasil, e esse mel é todo orgânico, agente não usa veneno na lavoura dessa maneira não tem como as abelhas se contaminarem.

Nós se preocupamos com o meio ambiente e percebemos que é preciso preservá-lo para a garantia de nossa sobrevivência na terra, assim como as gerações futuras, tanto se preocupamos que sempre se encontramos em intercâmbios para tratar da questão do manejo correto da caatinga.

O nosso maior medo hoje é essa historia de implantação de um Projeto do DNOCS na chapada, pois o que nós sabemos é que vai ser desapropriada 13 mil hectares de terra para serem instaladas cinco empresas do agronegócio.

Com a instalação do Perímetro irrigado na nossa região tudo que agente construiu aos longos dos anos vai acabar.

A gente mal acordou do sonho e já vem o pesadelo…

Hoje eles estão querendo que a gente volte a trabalhar para os outros, virar novamente escravo. Eles acham que tudo o que é bom tem que ficar nas mãos dos grandes.

Temos que lutar pela nossa liberdade antes que eles nos ataque. Se nós não lutarmos fica difícil. Tem um projeto do melão que antes eles utilizavam oito trabalhadores para juntar o melão. Com a instalação deste projeto os trabalhadores (as) serão substituídos pelas máquinas, restando apenas o que não presta para o povo.

Hoje nós ainda temos uma certa liberdade, nos sentimos sujeitos dono de si,  graças à nossa luta é que esse projeto ainda não foi dado.

Faz quatro anos que estamos lutando, às vezes ficamos frustrado, mas sabemos que a luta não é fácil. O que nos deixa mais preocupado é que “os criminosos” lá do Ceará serão os mesmos daqui.

Quando as mulheres da Agrovila Palmares fecham o portão e não deixa o DNOCS entrar estão lutando. Estamos ganhando aliados, temos que resistir. Só assim é que iremos vencer essa luta contra o “Projeto da Morte”.

As empresas do Ceara estão vindo para cá e os problemas de lá também.

Hoje estamos sem produzir alimentos para nós e os animais por falta de água. Porque agora a água vai chegar e temos que sair de nossas terras? Como disse seu Antonio esse projeto não vai gerar emprego nenhum, são as máquinas que vão trabalhar.

Naquela época antes de Lula nós lutávamos, ocupávamos as estradas e fazia as coisas acontecer, e hoje temos que lutar para derrubar esse projeto. Temos que fazer movimento para tirar Dilma desse pensamento dos grandes empresários, agente tem que derrubar esse projeto e construir outro para os agricultores familiares de Apodi.

Temos claro que com a instalação desse projeto vamos voltar ao período do patrão, é o período da escravidão. A água da barragem pode ir para a chapada para os agricultores, mas os mesmos agricultores que vivem às margens da barragem de Santa Cruz não tem acesso. Daí percebemos que essa água não é para os pequenos, esse projeto é uma ameaça aos pequenos agricultores, aos grupos produtivos, aos grupos de mulheres.

Os agrotóxicos é hoje uma das grandes ameaças saúde humana. O Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais junto com os agricultores vem lutando contra esse modelo.

Antigamente ninguém ouvia falar em casos de câncer entre nós agricultores, hoje o que mais se tem visto é morte de companheiros com essas doenças causadas pelo uso de venenos.

Falar sobre esse projeto não é fácil, não é fácil fazer essa carta, mas vamos fazer para mostrar que não é só a gente que é contra o projeto. Porque o governo não manda esse dinheiro para fortalecer a agricultura familiar que é responsável por 70% da alimentação do povo?

RECADOS DOS AGRICULTORES (AS).

“A luta foi muito grande para conquistarmos a nossa terra, contamos com a grande luta do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Apodi e de outras entidades parceiras, não aceitamos que depois de tantos anos de luta a gente perder nossas terra, queremos respeito”.

“Vamos lutar, vamos resistir, vamos pensar melhor em quem vamos colocar no poder”.

“A nossa luta é todo dia, a Chapada do Apodi não é Mercadoria”.

“Lutar e resistir pela Chapada Apodi”.

“Nós estamos preocupados em perder o que temos, mas vamos lutar e resistir até o fim”.

“A luta continua”.

“Queremos que os professores, cientistas e pesquisadores do Brasil continuem na luta com a gente”.

“Que cada leitor desse conteúdo seja defensor da nossa causa para manter a nossa vida com dignidade em nossas terras da Chapada do Apodi no Rio Grande do Norte”.

 Apodi, 03 de outubro de 2012.

Assinam: Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Apodi-RN e Comunidades Rurais da Chapada do Apodi-RN.

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